quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Visita a M. de Barros



Ah! se um vaga-lume
no tempo d`eu menino
tivesse me ensinado
a voar fora da asa...

mas eu não aprendi
agora estou aqui
somente um caramujo
um caramujo morto...


Oz
Janeiro de 2004

domingo, 21 de setembro de 2008

Sonâmbulos



Dois corpos na noite densa
lamentos banhando os lábios
olhares dentro da névoa.

Aves vorazes, sedentas
promessas tecendo as horas
o manto gris sobre a alcova.

Dois corpos tremeluzentes
dois sonhos rubros, dementes.
O pacto.

Na noite densa, dois corpos
na noite, vivos e mortos.
Intactos.


Oz
13.03.03
Olhos de ressaca



A vaga do mar lá fora
cá dentro meus devaneios
argênteos bicos de seios
crepúsculos, transas, auroras.

A vaga do mar cá dentro
lábios vadios, vermelhos
dinossauros e coelhos
fauna, flora e sentimento.

O desconhecido louco
cadáver carnavalesco
pesticidas e insetos.

Torres, tróias, arabescos
deuses, razões, objetos
cá dentro de tudo um pouco.


Oz
17.09.98
Caçada


I



Em busca de abrigo
o corpo vaga insone
num êxodo constante.

A mão semeia o trigo
&
o joio jaz, tão vivo.

A pele ardendo em febre
num arcabouço misto
de dor e encantamennto.

É caçadora e lebre

A caçada prossegue.

II

Em busca da resposta
a mente vaga, insone
num êxodo constante.

O sal sobre a ferida
os lábios sobre os lóbulos
a pele ardendo em febre.

Na noite a luz se banha
e o homem emaranha
a noção de pecado.

A mesa está posta
a fome, insinuante
o verbo, amordaçado.

Oz
27.03.01

sábado, 20 de setembro de 2008


Retôrno à Kandarar

I

Vejo a luz banhar o teu corpo.
Sinto a tempestade.

Tua pele incendeia minha razão entorpecida.

Pérolas cintilantes em tua face
fagulhas no ar deste outono gris e eterno.

Meu desejo é uma nau cravada nos teus seios.
Queres o que quero no entanto foges.
Eu sei que estás por perto.


II

Tua inocência: um bosque esquecido em nenhures,
por ele, cavalgo, alucinado, rumo ao Olimpo,
no fundo, sei que és apenas uma miragem...

Na manhã outonal
um zéfiro enlaça-a levemente.
Poderia chamá-la Lilith
conheço-a e venero a tua descendência excomungada e milenar.

III

Minha trilha adentra tuas fronteiras;
um sítio inexplorado e esplêndido;
perco-me nas clareiras do teu corpo;
somos, na manhã, um só corpo; um só espírito insone sob a névoa;
sobre as folhas caídas no solo;
somos um só dentro do sonho purpúreo.

IV

À tarde, soluçavas encolhida no tombadilho..
Tempestades de areia feriram teus olhos...
Teu colo seria devorado, pouco depois, por hienas vorazes...

V
Calaram-se os cantos na terra desolada
ausentaram-se os deuses delirantes do deserto.
Deixei a ti os meus versos e mais nada.




Oz
Enquanto chove

Para a pequena ex-habitante da CEU 3



Por ora é só
Não preciso mais de ti aqui
Então quero ver você partir
Buscar-te-ei se acaso precisar.

Por ora basta
Teu beijo infante aplacou minha sede
Mas teu olhar prendeu-me na tua rede
E eu não consigo preservar-te assim tão casta.

De pé vou aguardar minha decadência
E como um cão, lamberei minhas feridas.
Tua lembrança será uma fonte adormecida
Um bálsamo a atenuar a dor da ausência.


È tarde sim. O crepúsculo se avizinha
A visão baça, o andar hesitante
À noite insone, o verbo delirante
A dor do mundo é também a minha

Por hoje é só
Não preciso mais dos teus segredos
Tua ausência deixa-me com medo
Sei que és o vento, e eu, chuva, fogo, pó...

Ozênio Dias

Agosto de 2006

Cristine

Cristine


Olhe garota
tudo que eu queria era te dar um beijo
e depois transar contigo
ouvindo Sara, do Dylan.
Mas, foda-se se isto não foi possível
e eu estou aqui trancado
e tudo parece abandonado
no condomínio azul.
Já não importa muito se fugiu para o Nordeste
ou se continua no apartamento ao lado,
tudo que importa agora são lindas viagens
adentrando florestas cerúleas.
Eu tenho um amigo que me apresentou uma garota órfã
e ela agora parece insaciável.
Olhe garota, vou te contar um segredo:
Eu sou um xamã
Eu sei que você quer voltar
mas...
antes de partir ouça comigo esta canção
e pode chorar..
enquanto isso vou buscar uma bebida
pois, sinto a tempestade se aproximando
(...)




(Um dia qualquer no Cond. Azul, em 95)

Oz

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Abrigo

Palavra é abrigo que busco no caminho
parte da minha tediosa trajetória.
Faço versos de quem pressente a hora
de ser
sozinho.


Oz

Então será tempo...

Quando se apagar em nossos olhos a imagem de pássaros e lebres e riachos e lagos
e as trilhas no deserto estiverem prenhes de seres moribundos, a planície, o planalto, a várzea incendiados, talvez alguém entoe um cântico que ressuscite todo olhar e todo sonho estrangulado no berço...

Quando os últimos raios invadirem as alcovas banhando de luz e fuligem corpos sequiosos,
Quando risos orgásticos e insanos invadirem as almas, as faces verterem lágrimas desnorteadas,
Quando o vôo da pomba for um rastro no rubro e as trombetas soarem executando a dança do
gênese apocalíptico, talvez tenhamos um momento para olhar para trás...

Quando o caminho for único
os olhares ilegíveis
o precipício à mão
o horizonte não
os últimos descendentes de uma estranha tribo talvez sejam vistos vagando à deriva
sobre dromedários bêbados
invocando um deus que há muito se ausentou...

(...)

Oz

1990

De mim

Se quer de mim
mais que um pseudo-riso
DESISTA !!!
Eu sou NARCISO !

Oz

Cavalos marinhos


Você já cavalgou os cavalos do mar de Huxley ?
Eles são faróis incendiando a noite
e adentram de quando em vez o cérebro do homem...

Cavalos marinhos
coloridos de lavas vulcânicas
desfilam ante os vossos olhos
percorrem vales abandonados
e montanhas flamejantes.

Em manhãs fugídias o rebanho cavalga suavemente sob as ondas
crinas embandeiradas na brisa matutina
e anunciam o cálido despertar dos trópicos.
2017.

Longínqua fronteira do milênio inicial.
Toda a tripulação observa maravilhada
o onírico desfile selvagem.


Oz
1995

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Nanáth

Meus sentidos buscam no corpo opaco da noite veredas que me levem aos seres que habitam teus corais.
Sei que levas contigo vestígios do meu riso tímido e dos meus cantos tortos.
( cantos de caos e ternura ).
È certo que em algum outro pôrto te aguardam adornos e reflexos nítidos de constelações de outras épocas.
Danças envolta em pássaros amarelos e azuis e pérolas purpúreas deslizam suavemente pelo teu rosto lúdico.

Deuses vadios da minha infância, não me abandonem !!!

Vago, indistinto, por campos de transição.

( ... )

Do 17º andar dos meus olhos vândalos perscruto salões vazios e quartos de pedra e estátuas de mármore.
È certo que te observo em silêncio. ( o silêncio de desejos inenarráveis ).`

( ... )

Na aparente paz reinante, tua presença é fluído que alimenta o espírito lendário da cidade portuária. E distribui pétalas de begônia no cais a marinheiros bêbados.

Não sei como chamá-la. Vejo-a surgir à distância e trazes contigo uma brisa suave; um zéfiro e sei que podes desaparecer a um toque e me mantenho à distância.

Um dia, talvez no próximo outono, eu me aproxime e talvez eu consiga desvendar teus segredos; segredos que trazes contigo; segredos de ti e da tua estirpe secular.



Oz

Maio de 98

Indonésia

A onda
gigantesca onda
explosiva onda
a onda canibal.


A natureza
a natureza clama
a natureza e o seu berro
letal...


Oz
sexta-feira, 20 de maio de 2005

Da forasteira


Forasteiras insones invadem-me intransigentes, adentram-me pelas frestas dos meus olhos míopes, trazem nos pêlos odores seculares e dizem de cristo e outros tantos profetas. Desnudam-se e me abraçam sinuosas. Beijam-me sofregamente. Canibais ligeiramente bêbadas. Deixam, ao sair, vestígios dos seus dentes afiados e se refugiam em abismos, entre persianas e saxofones.

Estranhas inquilinas temporãs no silêncio destes quartos pétreos.

Na manhã, odores de um campo de batalha.
Na manhã, ventos cervantes.
Na manhã, habitantes de um passado longínquo que o tempo esqueceu.

No pátio deserto, o outono ressona levemente junto a uma fonte em ruínas.


Oz

Setembro de 98

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Prólogo

Hoje retornei ao velho salão das sombras sem memórias, seres dançantes em cores e fuligem. A sentinela postada à esquerda do pórtico das águas recebeu-me em silêncio. Senti temor e êxtase. Meus dias passados em doce melancolia tornarem-se a diversão predileta dos meus fantasmas sombrios, acorrentados em flutuantes grilhões oníricos. Afaguei em lágrimas arcanos e outros cantos tortos, e meus olhos divisaram, ao longe, o semblante impávido de deus.

Tive medo.

Con te

Io, que estou no meio do caminho
quiero seduzir-te a andar comigo
Io, che até aqui andei sozinho
e que, apesar disso, ainda prossigo.

Com o meu fardo avanço e retrocedo
em meio a tempestades invisíveis
envolto em projetos perecíveis
refém de rompantes e do medo.

E ritorno à caverna, ordinário
entorpecido, sinistro, indistinto
o chamado se perdendo na distância.

Con te, quiero habitar o imaginário
e ele é bem maior que este recinto
labirinto a ofuscar a esperança.


Oz
Março ,2005

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Cárcere

Meu cárcere é a manchete matutina
fitando meus olhos nas esquinas.
Meu cárcere é o amargo na página indiscreta
mil alfinetadas em cicatriz aberta.
Meu cárcere é a certeza de ter, em manhãs cinzentas
a morte me vigiando, atenta.
Meu cárcere é o doce fardo da inocência
enterrado no esgoto com o rugido da tormenta.
Meu cárcere é o murmurar sutil dos lábios teus
ao ferir minh'alma com um adeus.
Meu cárcere é o teu riso brotando qual flor no campo
pra murchar ao soluçar febril de um pranto.
Meu cárcere é a rua tinta dos vinhos das veias vadias
qual vômito vermelho nas vielas vazias.
Meu cárcere é a indiferença do olhar da humanidade
que com pupilas de aço tomam-te a liberdade.
Meu cárcere é o som silencioso e audível de uma página virada
é o amor que se foi
é uma estrela cadente
é o viver
mais nada.

Breves ???

Mas, que distância haverá
entre o meu e o teu olhar ?
entre a minha e a tua pele
entre a bomba e o homem-bomba
entre a minha e a tua sombra !?
estas distâncias não há!

Mas, que distância haverá
entre o aqui e o lá ?
lá onde a mente divaga
qualquer lembrança se apaga
a tua ausência é amarga...
esta distância não há !

Mas, que distância haverá
entre o nascer e o expirar ?
entre a praia e o infinito
entre o mortal e o mito
entre a mudez e o grito...
estas distâncias não há !

Mas, o que se ocultará
no corpo da ampulheta ?
mas que distância haverá
entre o falso e o verdadeiro
quando este é a metade
daquela outra metade
como um espelho de jade
defronte a estatueta !?

Mas, que distância haverá
entre a alegria e o marasmo
e o corpo queda louco
entre a dor e o orgasmo
qual será a semelhança
entre deus e uma criança !?

Haverá qualquer distância
entre mim e o Sancho Pança ?

Estas distâncias não há !


Ozênio Dias

01.02.02

BALADA DA NOITE

A noite nunca passa
a noite enlaça ao longe
assim, se a noite chama, oculta na passagem
à espreita, insone, a noite ressurge
e é miragem.
A noite não espanta
a noite envolve, encanta.
Desliza sorrateira num ciclo singular
de luz & sombra & luz
e deixa na sua esteira
um ressoar de um canto inacabado, insano
àquele que virá.

Enquanto tece a luz que surgirá
no vão
da noite incipiente o homem que era então vidente
vaga à sombra da noite que chegou
fugaz
anoitecido.


Ozênio Dias

de lírios e conchas

" O corpo é uma máquina desejante "





Pudera eu explorar a tua concha
nela penetrar os mais íntimos cantos
esquecer todo o resto
mergulhar
lambuzar-me
viver...
Explorar o teu ninho
pudera eu delirar em tuas curvas
neste delírio da carne pecar...
Pudera eu me calar..
não precisar escrever
escavar
ter apenas um pouco de ti
mas não sei.
Pudera eu permanecer inocente
mas existe o meu medo
(e desejo)
e a tua concha vermelha
( e caliente ).
Pudera eu...
mas não posso
e não sei
sem saber, não sabor...

E uma mente inundada de lírios
& conchas...




Oz

Do destino

O amor contém tanta loucura
uma mãe amamentando o filho morto
um ançião soletrando as escrituras.


O amor requer transbordamento
a lágrima que caindo inunda o poço
na poeira redesenha o firmamento.


Nada está tão distante quanto o outro
a sombra que te habita cristalina
é a memória no baú do esquecimento.


No cálice desta tarde o sofrimento
é sorvido e absorve um mar revolto;
Navegar neste mar é a tua sina.


Ozênio Dias
25.05.2003

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Índice

3. sem graça
4. à toa
5. uma quase conclusão
6. cotidiano
7. convite
8. confissão etílico-amorosa
9. sonâmbulos
10. canção noturna
11. versos pagãos
12. de recifes e pecados
13. quase bem-querer
14. memória
15. descoberta
16. aquele quarto
17. diagnóstico
18. élis
19. de redenção e espera
20. do inevitável
21. fragmentos
22. fragmentos 2
23. de caminhos
24. sete
25. proscrito
26. novos tempos
27. sentença
28. espera
29. olhar em volta
30. entardecer

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Vambora

Aos meus amigos A. Machado, L.D. Ungarelli e W. Hungria ( entre poucos e fiéis outros...)






Vou me embora pra Pasárgada
Bandeira mostou o caminho
e o Quintana me falou
que posso ser passarinho.
Arrumar minha boroca
e botar o pé na estrada
pitu, tabaco e paçoca
não preciso de mais nada.
Às vezes tão quixotesco
às vezes tão delirante
de traço tão pitoresco
e almejando ser Cervantes.
Se não der, vou pra Atenas
aqui eu não fico mais
vou fugir da minha pena
gritei : Solte Barrabás !!!
Vou me embora pra Pasárgada
quem quiser, venha comigo
lá conheço a dona Juana
que me prometeu abrigo.
Vou tomar minhas branquinhas
com farofa de torresmo
cá tenho de andar na linha
lá eu posso ser eu mesmo.
Vou me embora, vou me embora
aqui eu não fico mais
levarei a doce aurora
pras noites de alguns ais.
Vou me embora, e já me arranco
levarei Drummond comigo
coitado, tão esquecido
sentado naquele banco.
Creio já chegada a hora
de buscar o meu quinhão
já está ficando tarde
me diz o meu coração.
E Drummond me diz surrindo:
E a minha Itabira !?
Se eu não levá-la comigo
minh"alma queda no limbo.
Eu direi: calma colega
Seu Manuel já está lá
só levou um burro brabo
e agora nem quer voltar...

Vou me embora, companheiros
a todos, o meu abraço
me sentindo o derradeiro
mas quero sair do laço...
(...)


Oz
( Um dia de chuva em Setembro. 2008 )

À toa

Estou aqui
sem mas nem menos
a fim de delirar.
Estou assim
à toa
então entôo
uma lôa
a quem tentar indicar-me o caminho
Estou assim
sem crases ou porquês
sem crises
sem perguntar cadê
sem ninho.

Irrefletido, fácil
à-toa
envolto em hífens
e outros quiproquós...

Eu estou só
mas eu sou passarinho...

Ozênio Dias

entardecer

O tempo que passou é o que me resta
a medida inexata dos meus passos
o vôo, a liberdade em estilhaços
fio de luz se esvaindo pelas frestas.

Como disse certa vez aquele moço
tempo assim como a face dos meus filhos
na memória que viaja sobre trilhos
restam o salto, o silêncio, a rã e o poço.

Quase defronte a deus e estou cego
e nego, e acredito, e estou sozinho.
Escuridão é o mar no qual navego.

Gritar já não posso. Emudecido.
O medo a tolher os meus caminhos.
O vulto no espelho está vencido.

Ozênio Dias

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Sete

Os meus sete sentidos
se bem direcionados
quais dardos afiados
servirão-me de abrigo.
Meus sete companheiros
à frente, Bonaparte
farão do meu quintal
uma nação à parte.
Meus sete sonhos soltos
nesta paisagem gris
e este calabouço
será um chão de giz.
Os meus sete punhais
se soltos nesta pele
a toda dor repelem
repelem a quaisquer ais.
Meus sete vaticínios
atirados ao esmo
atiçam canibais
que comem a si mesmos.
Meus sete anjos tortos
envoltos em luxúria
sombras na face impura
dos meus ancestrais mortos.
Minhas sete e tantas crenças
às vezes sou trezentos
e ante um eu perplexo
um outro está isento.
Os meus sete dinheiros
selaram minha sorte
vê-se no mundo inteiro
desolação e morte.
São sete cadafalsos
mas não há Calabar
são sete catacumbas
mas nada a enterrar.
Os meus sete pass0s
rumo ao cadafalso
eram uma farsa
livre estou do laço.

...E a sensação que tenho é de derrota
nem vi quem entrou por esta porta.

Ozênio Dias
19.09.06

de caminhos

Caminhos noturnos nos circundam.
Tateamos na penumbra diuturna.
Nosso candieiro, tremeluzente.

Gélido, o uivar dos cães na noite.

À distância, vozes bêbadas entoam um canto fúnebre.

Caminhos noturnos nos circundam.
Nossos passos no desfiladeiro.
Rumamos ao precipício.

Às margens, vestígios supostamente humanos levando às portas da cidadela.

Desesperadora é a ausência da luz.

Impregnam os sentidos os odores do acampamento,
os lamentos do ancião,
o uivar dos cães.

Estranhos os campos visitados pela mente insone.

Caminhos noturnos nos circundam.
Nos paredões, sombras esvoaçantes de grandes pássaros noturnos.
Na penumbra, tateamos levando ainda pelas mãos um candieiro que o vento há pouco apagou.

Aterrorizante é a cegueira destes nossos tempos.

Ozênio Dias

15.05.2008

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Do inevitável

Espreito-a atento
e quase que amante
espreita-me e finjo
olhar o horizonte.

Às vezes teu murmúrio
tangível, inexato
rastreia o passo incerto
do transeunte incauto.

&

E, quando, numa rua deserta, a vagar, divago, sinto-a ao meu lado a dizer-me de seus projetos, de gares invisíveis e guichês inadiáveis.

(...)

Não sei em qual momento ela me abraçará, por isso assovio e finjo que não estou pronto e continuo andando ...


ao inevitável encontro..

Ozênio Dias

Janeiro de 2008

domingo, 6 de abril de 2008

De redenção e espera

Um ancião vagueia na orla do bosque. Ao crepúsculo retorna à cabana em passos vacilantes. Teus olhos, mortiços. Tua longa barba embranquecida oscila suavemente sob a leve brisa da noite incipiente.
Na cabana, fracamente iluminada por um candieiro de cobre pendente do teto, uma mulher cose uma mortalha purpúrea enquanto entoa uma antiga e obscura canção.
O primogênito desapareceu no último outono e, de quando em quando, surgem rumores (...), um cavaleiro que surge do leste envolto num manto negro, que fala um dialeto desconhecido e habitaria uma das ilhas do pacífico sul.
Defronte à taberna, do outro lado do lago lodoso,um jovem cambaleia; nas suas mãos uma tocha cuja chama o vento apagou.
Oh,estirpe amaldiçoada.
Nos fundos da cabana, na penumbra, uma jovem de longos cabelos e olhos negros e profundos, vestida numa leve túnica arqueja suavemente e suas frágeis mãos parecem querer arrancar daquele tenro corpo uma chama invisível.
À distância, o débil choro de um recém-nascido.


Ozênio Dias

06.04.08

Sonânbulos 2

Dois corpos na noite densa
soluços dentro da alcova
a vida pulsando, ardente.

Cada gesto, uma sentença
velhos campos, flores novas
em alto-mar os dementes.

Numa busca incessante
há dois corpos delirantes
no lago azul da memória.

Insones filhos de Dante
promessas insinuantes
sonhos de prazer e glória.

Ozênio Dias

24.09.03

quinta-feira, 3 de abril de 2008

AQUELE QUARTO

A garota daquele quarto parece música, luz e corais e adentra os sonhos e neurônios em passos quase naturais.Desliza no seu charme camaleônico pelos corredores da casa sobre patins inexistentes como suas asas.
A garota daquele quarto está em viagem. Chuva que inunda o branco da mente. Jangada solta.
Miragem. Me escondo em depósitos de versos e o seu cabelo é pretexto para um beijo. Alma ou o inverso, eu a desejo.
A menina daquele quarto é personagem de uma balada de amor inacabada. Eu sou deserto, mais nada.
A menina daquele quarto me lembra um pássaro flamejante. Uma deusa punk em meio a multidão perdida, errante.
A menina do quarto 15 ...
um escândalo atômico refletido num maldito espelho côncavo.

...e o garoto: "...envolta em seu manto azul, ela cruza os corredores infinitos da minha memória..."



Ozênio Dias

01.10.95

NOVOS TEMPOS

O medo em cada canto
o corpo mudo
[queda.

Tambores a rufar
nos tímpanos noturnos
sombras a clarear
o ser sendo o escuro.

Silêncio em cada gesto
a mão cega estendida
o pelotão contempla
pupilas já sem vida.

A exatidão do gesto
nenhuma atenuante
cortante e indigesto
o anti-manifesto.

O álibi inválido
a inocência morta
o ardente agora cálido
corpo no umbral da porta.

Culpados já não há
humanos idem, não
a bússola do acaso
aponta a desrazão.

Ozênio Dias


SENTENÇA

(versão 2)


O fato inaudito
o atalho inesperado
teu corpo desnudado.

Pairam na tarde gris
rumores que provém
De um templo proibido.

Pousado nos umbrais
o meu olhar que quis
perdido, desnorteado.

Ah! mente que conduz
nos seus vastos impérios
tanto desejo e dor.

Espero a senha incerta
o sol na pele insone
espero ouvir meu nome.

Além, num antigo aquário
um corpo solitário
espera por alguém
&
e a dança cega e surda
moldura a sombra muda
enlaça a mim tambem.


Oh! corpo andaluz
de sonhos deletérios
faminto de ar e luz.

Caminho ao teu lado
sinistro, invisível
a ti aprisionado.




Ozênio Dias

21.07.2005

segunda-feira, 31 de março de 2008

UMA QUASE CONCLUSÃO

Meu querer
um ancião em repouso
no telhado de uma casa
em ruínas
fardo de um caminhante
insone
e ateu
na poeira de um deserto
tempestuoso.
Meu querer: um velho galeão
à deriva
na piscina de deus.

Quase sei
quem sou eu.

Ozênio Dias

SEM GRAÇA


Ser adulto não tem graça
é pipa pousada em qualquer galho
um sonho que perdeu a linha do mistério
qualquer mochila usada onde falte a alça

Ah! sei não
saber tanto não tem a menor graça
é ouvir um sim com gosto de não
é afastar-se da estação quando o trem passa

Já não há a certeza de tudo como antes
o medo permanece entre nós, o tempo passa
dar um sorriso agora é um desafio gigante

Ser adulto não tem a menor graça
é algo acromo com o brilho do diamante
é um soneto sem rima, uma pista falsa.

Ozênio Dias

sexta-feira, 28 de março de 2008

Descoberta

Embora esteja tão envolta
[ em armaduras
no riso oculto
( em vão )
pressinto o que procuras
no entanto esconde a face
e busca os desvios
da pele e com tal classe
que nascem em mim
vazios...

Veredas repentinas
o medo
o não que embaraça

e cedo
meu corpo, minhas retinas
e a vida que então
grassa.

"Existe uma paisagem interna, uma geografia da alma, cujos contornos
buscamos durante toda a nossa vida."
(Hart, Josephine. Perdas e danos. Record. P.7 )

Ozênio Dias

OLHAR EM VOLTA

Eu a espero

com um riso insípido

e o corpo envolto

em mil naufrágios.



Sereno, a espero

em cores dançando

ao sabor das horas

e das antagonias.



Punhais lançados na noite

e eles me alcançam

talvez eu ande em círculos.



Eu canto um canto elástico

e ela está à espreita,

à tarde.



Ozênio Dias

quarta-feira, 26 de março de 2008

Memória


Memória insone, labirinto interminável
perene fonte de caçadas e segredos
deusa vadia recriando o improvável
estranha ave empalhada entre os dedos

Recria-te a ti mesmo entre os detritos
tua lámina faz o instante congelado
olhar infante a buscar o infinito
farol e leme de um tempo avariado

Afasta-te de mim, oh, vigilante
deixa-me namorar o esquecimento
a dor que me habita é a minha seta

Desejo e dor, ferimentos lancinantes
na epiderme desta tarde em movimento
melhor despir-se de vazios na noite quieta.


Ozênio Dias

29.05.2003



Proscrito

Se eu morrer numa tarde repentina
celebrem o fato com vinhos e foguetes
preparem a fogueira e um banquete
e entoem canções por minha sina

À parte o meu canto dissonante
todo o restante estará comigo
minha lembrança, que sirva de abrigo
ao peregrino santo e delirante

Atirem ao vento os meus manuscritos
os meus cavalos soltem-nos no campo
doem os meus dentes à tenda dos milagres

Minha sentença é leve a um proscrito
arrebentados os grilhões do desencanto
enterrem-me ao pé do campanário.

Ozênio Dias

17.10.2003

COTIDIANO

Enquanto a cidade dorme neste inverno
e a densa névoa gris invade alcovas
entre as frestas vagas da manhã
novos caminhos, novos sonhos, terras novas

Um homem vaga por entre os arcos da sinagoga
a fustigar os corpos moribundos
dos noctívagos bêbados, vagabundos
a entoar louvores ao Deus Baco

Sua voz rouca, vacilante, ganha os campos
a aura matutina se anuncia
e a cidade se põe a bocejar

O ciclo se completa, mais um dia
a libertar suas ilusões e seus espantos
lugar comum: o homem,, o deus, o amar.

Ozênio Dias

10.12.1997

terça-feira, 25 de março de 2008

QUASE BEM-QUERER

À nós, que nos amávamos tanto
os vestígios de ontem, a face do presente
um abraço frouxo, um olhar demente
lembranças opacas em meio ao desencanto

À nós, que nos perdemos nos desvios
à nós o adeus, a solitária gare
à nós, a mim e a ti Licári
à nós a horda de eus vazios

À nós o abismo cotidiano
as certezas
as ilusões perdidas

À nós o olhar e o riso insano
a tristeza
as coisas esquecidas.


Ozênio Dias

quinta-feira, 20 de março de 2008

convite

Abraça-te a ti agora
esquece, ama, vive
a trilha, invisível
a noite não demora

O retorno, impossível
relógio ladra louco
um corpo tangível
na tempestade envolto

Teus pés vagam a esmo
na tarde flutuante
assombra, a luz dos olhos

Mergulha-te em ti mesmo
teu tempo, este instante
teu corpo, um mar de abrolhos.


(segunda versão)

Ozênio Dias

Agosto. 2004

De recifes e pecados

Quero sorver aos poucos o teu olhar demasiado fonte. Aos grandes goles eu me afogaria.
Tentei me proteger sob o vasto manto da indiferença mas esta me desnudou e ora permaneço despido no meio desta tarde que arde em contornos purpúreos a delirar e, delirante, lanço
mão do verbo; verbo,asa que me pesa e talvez me liberte e talvez me mate numa queda fugaz e
fatal.
Quero sorver aos poucos o teu corpo; oceano repleto de recifes, sargaços e pecados onde vagam eu e a minha nau, sob um céu um tanto gris e uma tripulação bastante familiar: o medo, o desejo
e a solidão.
Sorver aos poucos teus outonos, invernos, tuas estações; levemente, como um pequeno demônio levando pelas mãos as filhas diletas de Zeus pelas veredas ocultas no Olimpo.
Aos poucos, sorver as tuas diáfanas retinas, vitrais que refletem em almas transeuntes os herdeiros de uma estirpe estranha e secular.
Sorver mansamente a tua lembrança presente no meu espírito insone e cansado.
Minha sede saciada após dez milênios medidos na clepsidra dos teus mais íntimos segredos e medos e tudo o mais que herdastes da eternidade.

Ozênio Dias

19.07.06

VERSOS PAGÃOS

Teu corpo é um templo silenciado
matéria envolta num rumor cristão
quando desnudo, um campo minado
leves vestígios de uma outra estação

Tua boca quente é a metade oculta
inaudível e quieta da tarde que termina
teus olhos, arco-íris na neblina
ora é o alvo e ora a catapulta

Teus róseos seios inundam os sentidos
incendiando o tempo que renasce
dos infinitos labirintos da razão

Tua lembrança, território proibido
mulheres loucas num lago a banhar-se
síntese em chamas do esplendor pagão.


Ozênio Dias

21.10.97

quarta-feira, 19 de março de 2008

Fragmentos 2

Se me vires, nem beira
sem eira,flôr no arrebalde
Não cheira!
eu sou uma fraude.

&

Então o amor é isso,Teresa
a quinta perna da mesa
(inútil e estranho)
um troço assim meio louco
e sem tamanho.

&

Sendo amigo
tomará o meu lugar no cadafalso
sentirá o meu medo
minha dor
o meu riso cáustico
(...)
Sendo amigo
lavará os meus pés
mas não esperará de mim
nada
nada além do meu abraço cálido


Ozênio Dias

CANÇÃO NOTURNA

Esta canção noturna e infeliz
quem a ouve sabe e sente logo
o sabor acre, atroz do monólogo
da existência envolta em nuvem gris

Esta canção noturna e taõ singela
penetra os labirintos da razão
desnuda o desejo oculto em vão
do ser entricheirado numa cela

Sonhos, canções, desejos e ruínas
elementos corroídos pelo tempo
ressoando no lento trepidar das horas

Dedico-lhe esta canção desesperada
minha honra, minha morte, minha sina
breves monumentos à sua memória.


Ozênio Dias

22.09.2003

CONFISSÃO ETÍLICO-AMOROSA

Na minha corrente sanguinea
de elos etílicos
e glóbulos vermelhos
de fúria
o cadeado é um coração
enferrujado
com plaquetas rubras onde se lê :

NÃO ABRA !

Ozênio Dias

Fragmentos

No silêncio purpúreo da noite ressoam levemente sussuros moribundos.Vorazmente os espíritos noturnos devoram os noctívagos.

Choro entecortado de criança.Uivos à distância.A cidadela habitada por fantasmas taciturnos.No bosque sombrio os amantes se abraçam convulsivamente sob a claridade lunar. Nas ruínas do castelo vultos silenciosos e fugídios entre espirais azuladas.

A solidão visita a morada dos humanos.





Ozênio Dias



Agosto. 2003

ESPERA

Ante os meus olhos
corpos se agitam
num mar de abrolhos

Sob os seus dedos
o tato esconde
tantos segredos

Se o tempo é quando
e uma sombra inerte
doura a moldura
de tantos quadros

Um corpo insone
num movimento
rompe a tortura
no entanto aguardo.


Ozênio Dias

Élis

Gosto de pousar o meu pensar em ti como em um lago perdido na floresta.
Silencioso.Límpido.Uma clareira banhada pelo sol através de densa folhagem.
Gosto de lembrar-me de que vives e sentes e sonhas e despe-te no silêncio

da noite e o teu corpo cálido paira mansamente em minha memória.
Gosto de saber-te distante do sonho possível, eu, aprendiz de sonhador, caminhante de veredas inexistentes.

Rapto-te para o meu país distante e, por um momento, os arcanos do teu
coração secular se revelam.Defronte a mim uma imagem, um mosaico de desejo e dor
que se nutre do sal presente nas lágrimas do náufrago que sou.

Teu corpo repleto de silêncios me causando vertigens.Vago por entre os
muros em ruínas da minha razão em estilhaços.

Tua existência: um palco de conflitos inenarráveis, batalhas samgrentas, de
enseadas ocultas. Mãos que tateiam na penumbra em busca da chave da sala
das fontes.

A tua face pacífica reflete a beatitude dos teus ancestrais.

Mas foges
E teus passos ressoam, milenares, nas imensas pradarias da minha lembrança
e atrás de ti surgem aldeias, tragédias e lendas...


Ozênio Dias

terça-feira, 18 de março de 2008

DIAGNÓSTICO

O ato que exorciza a dor crua, cortante
é balançar com um blues endiabrado
é amar, desesperado a bailarina azul
e abraçá_la de olhos fechados
sentir seu corpo frio ou flamejante
nos lábios secos e desnorteados.

domingo, 16 de março de 2008

OLHAR EM VOLTA

Eu a espero
com um riso insípido
e o corpo envolto
em mil naufrágios

Sereno, a espero
em cores dançando
ao sabor das horas
e das antagonias

punhais lançados
e eles me alcançam
talvez eu ande em círculos

E eu canto um canto elástico
e ela está à espreita
a tarde.

Ozênio Dias

DO DESTINO

O amor contém tanta loucura
uma mãe amamentando o filho morto
um ancião soletrando as escrituras

O amor requer transbordamento
a lágrima que caindo inunda o poço
na poeira redesenha o firmamento

Nada está tão distante quanto o outro
a sombra que te habita cristalina
é a memória no baú do esquecimento

No cálice desta tarde o sofrimento
é sorvido e absorve um mar revolto
navegar neste mar é a tua sina.

ozênio dias

25.05.2003
Estranhos são os caminhos noturnos do homem. Quando eu, sonâmbulo, passava por quartos de pedra e em cada um ardia tranquila uma candeia, um candeeiro de cobre, e quando, cheio de frio, cai na cama, lá estava de novo à cabeceira a sombra negra da forasteira, e em silêncio escondi o rosto nas mãos lentas... (De profundis, Georg Trakl)